Um ataque histórico: o Marco Temporal


 

Fonte:https://site-antigo.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/styles/imagem-grande/public/nsa/777bdd6c-f207-4d19-ad96-c7578a98b5d8.jpg?itok=sVFEiFAM

“A floresta está viva. Só vai morrer se os brancos insistirem em destruí-la. Se conseguirem, os rios vão desaparecer debaixo da terra, o chão vai se desfazer, as árvores vão murchar e as pedras vão rachar de calor. A terra ressecada ficará vazia e silenciosa. Os espíritos xapiri, que descem da montanha para brincar na floresta em seus espelhos, fugirão para muito longe. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los e fazê-los dançar para nos proteger. Não serão capazes de espantar as fumaças de epidemia que nos devoram. Não conseguirão mais conter os malefícios, que transformarão a floresta num caos. Então morreremos, um atrás do outro, tanto os brancos quanto nós. Todos os xamãs vão acabar morrendo. Quando não houver mais nenhum deles vivo para sustentar o céu, ele vai desabar”. - Davi Kopenawa.


Para falarmos sobre o Marco Temporal, precisamos compreender o que isso significa. Marco Temporal é como ficou conhecida a ação do Supremo Tribunal Federal que pretendeu discorrer sobre a reivindicação de posse de terras dos povos indígenas. Essa ação estabeleceu que apenas teriam direitos sobre as terras aqueles que já as ocupassem no marco do dia 5 de outubro de 1988 – dia da promulgação da mais recente Constituição Federal. Quais terras são essas? As denominadas “Terras Indígenas”, as quais se referem ao artigo 231 da Constituição, dizem respeito àquelas que são ocupadas por esses povos desde antes mesmo da configuração do estado brasileiro.

O Brasil tem uma extensão territorial de 851.196.500 hectares, ou seja, 8.511.965 km². As terras indígenas (TIs) somam 726 áreas, ocupando uma extensão total de 117.377.553 hectares (1.173.776 km2). Assim, 13.8% das terras do país são reservadas aos povos indígenas. Existem 305 povos indígenas que falam 274 línguas diferentes com uma população estimada em mais de 1 milhão de pessoas, mas o governo brasileiro reconhece apenas os povos que vivem em territórios indígenas demarcados, ignorando as populações que moram nas áreas urbanas dos municípios. Se o Marco Temporal for aprovado pelo STF, mais de 300 terras indígenas estarão com suas demarcações ameaçadas.

Mapa das Terras Indígenas. Fonte: https://pib.socioambiental.org/pt/Localiza%C3%A7%C3%A3o_e_extens%C3%A3o_das_TIs


    De acordo com Marcos Cândido para o UOL (2020), o chamado Marco temporal é uma ação no Supremo Tribunal Federal que defende que povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam no dia 5 de outubro de 1988. Os indígenas entendem que possuem o direito "originário à terra" por estarem aqui antes da criação do Estado brasileiro, então a tese do "marco temporal" ignora povos que foram expulsos de suas terras sob violência ou devido à expansão rural e urbana dos brancos, pelo desmatamento ou mortos pela proliferação de doenças quando a Constituição Federal foi promulgada.
A bancada ruralista no Congresso Nacional defende o marco temporal, já que ele é favorável ao avanço do agronegócio. No dia 02 de agosto desse ano, Dia Internacional do Povos Indígenas, lideranças tocantinenses reivindicaram direitos e reafirmaram o posicionamento contrário ao Marco Temporal. É válido ressaltar que o presidente Jair Bolsonaro é contrário ao Novo Marco Temporal, no qual o ministro Edson Fachin entende como descabida a ideia de que os povos originários só podem reivindicar o domínio de um território se lá estivessem em 1988. Para Bolsonaro, a medida equivale a dobrar a área de terra indígena demarcada, pois “se tiver um índio lá num canto qualquer, perdeu a fazenda”. Apesar de criminosas, as invasões de territórios dos povos indígenas ganharam escala no governo Bolsonaro, principalmente com o apoio severo ao Marco Temporal.

Reprodução: Internet 


"O marco temporal reforça uma violência histórica, que até hoje deixa marcas.” 
Tucum Xokleng

    Entendemos que o Marco Temporal se constitui como ameaça aos direitos dos indígenas em nosso país, pondo em risco nossos povos originários. O argumento utilizado pelo Marco Temporal negligencia e despreza uma história de centenas de anos, pois parte do pressuposto de que não havia povos indígenas no território antes do ano de 1988, ao passo que sabemos que os povos originários vivem 522 anos de perseguição e de resistência neste país. Afinal, antes do Brasil da coroa, já existia o Brasil do Cocar.
    Sendo assim, o Marco Temporal nos mostra como a justiça e parte da população brasileira ainda detém uma visão colonial persistente, que intensifica o massacre contra os indígenas, a impunidade das violências por eles sofridas, o retrocesso de direitos e a dificuldade de acesso à justiça.


Reprodução: Internet 


    Os territórios indígenas funcionam como um escudo protetor das florestas, pois preservam e cuidam do meio ambiente, são nossos guardiões da floresta, portanto ataques a esses territórios já vêm ameaçando seriamente a questão climática e de preservação.
    Por esse motivo, as políticas públicas são extremamente necessárias e importantes para que essa visão colonial e preconceituosa seja combatida e os direitos dos indígenas sejam respeitados. Como a Lei nº 11.645, de 10 Março de 2008 que determina que nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena com conteúdo programático que inclui diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. Essa lei como política afirmativa visa uma forma de reparação e justiça histórica aos povos originários do Brasil como reconhecimento do que foi feito com eles ao longo da história e faz-se fundamental nessa luta.

Reprodução: internet 


    Contudo, só isso não basta. É indispensável que sejam criadas novas políticas públicas para os povos indígenas, a fim de garantir seus direitos e cessar as negligências e ataques que eles vêm sofrendo ao longo de centenas de anos. É urgente combater os ataques aos povos nativos e ao meio ambiente, por isso, defendamos a demarcação e posse de todas as terras indígenas, a defesa da cultura e dos direitos dos povos originários, a defesa e proteção do meio ambiente e da natureza e a derrubada da tese do marco temporal.




Arte: @meenhasaventuras





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Referências: 

SPEZIA, ADI. Ao STF, indígenas pedem a retomada do julgamento do marco temporal e alertam para genocídio dos povos. CIMI, 8 dez. 2022. Disponível em: https://cimi.org.br/2022/12/indigenas-pedem-retomada-do-julgamento-do-marco-temporal-stf/. Acesso em: 9 dez. 2022.

STF adia votação do Marco Temporal prevista para 23 de junho. APIB, 2 jun. 2022. Disponível em: https://apiboficial.org/2022/06/02/stf-adia-votacao-do-marco-temporal-prevista-para-23-de-junho/. Acesso em: 8 dez. 2022.

LIMA, Leanderson. Aprovação do marco temporal ‘premiará’ invasores de terras. 16 out. 2021. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/marco-temporal/. Acesso em: 8 dez. 2022.

OLIVEIRA DA SILVA, Ana Beatriz; GUIMARÃES, Nicoli Gonzaga. O que é marco temporal de terras indígenas?. [S. l.], 27 set. 2022. Disponível em: https://www.politize.com.br/marco-temporal/. Acesso em: 8 dez. 2022.

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