O Padre Jesuíta Luís Vieira da Silva e seus livros possuídos por Satã (1789)

 

    A Inconfidência Mineira é um exemplo de como acontecimentos históricos de alcance aparentemente limitado podem ter impacto na história de um país e não pode ser desvinculada de acontecimentos que fervilhavam na Europa; demonstra o começo da insatisfação de parte da Colônia com a administração da Metrópole, que posteriormente iria contribuir com a Emancipação Política do Brasil em 1822. O motivo do movimento se deu pelo fato de que a produção do ouro estava em declínio, entretanto, a Coroa continuava a adotar medidas para garantir a arrecadação do Quinto.

    Dentre os inconfidentes, chama a atenção um Cônego: Luiz Vieira da Silva, cuja trajetória é o tema do presente texto. O cônego foi ordenado padre em 1759, aos 24 anos, em cerimônia realizada em Mariana pelo Bispo Frei Manuel da Cruz. De origem pobre, porém, letrado, possuía fama de eloquente e tinha em sua posse uma vasta e diversificada biblioteca. Em 1981, Eduardo Frieiro publicou o ensaio de título “O Diabo na Livraria do Cônego” em referência aos livros da biblioteca do Cônego Luiz Vieira relatados nos Autos da Devassa da Inconfidência. Trata-se de uma diversificada biblioteca para um cônego pobre que possuía 270 obras, com cerca de 800 volumes, muitos dos quais de iluministas franceses (FRIERO, 1981).


    No final do século XVIII, Luiz Vieira da Silva era um cônego da Catedral Basílica Nossa Senhora da Assunção, Igreja da Sé de Mariana, Minas Gerais. Possuidor de uma monumental biblioteca particular, Luís Vieira recebeu diversos elogios. Foi considerado por Noberto de Sousa Silva, em sua obra História da conjuração Mineira (1873, p. 354), o mais instruído e o mais eloquente de todos os conjurados. E Alberto Faria foi mais longe quando, em sua obra Aérides (1917, p. 225), considerou o Cônego “a maior ilustração colonial da época”, id est, a pessoa mais instruída do Brasil em fins do século XVIII. A reconhecida eloquência do cônego granjeava-lhe convites para ser orador em cerimonias importantes. Contudo, pesava sobre ele algumas acusações como seja: a prática de simonia, introdutor das práticas maçônicas e de ter uma vida pessoal incompatível com o exercício sacerdotal – era de conhecimento geral que tinha mulher e uma filha (FRIEIRO, 1981).

    Foi preso sob a acusação de liderar o movimento de conspiração em Minas Gerais, “A Inconfidência Mineira”, quando tinha 54 anos. Em sua casa foi encontrada uma vasta biblioteca com alguns livros que, particularmente, tornaram-se prova de seu envolvimento na insurreição mineira. Sua biblioteca foi tomada como um símbolo de revolta e desobediência às autoridades da Metrópole portuguesa. É justamente no ensaio “O diabo na Livraria do Conego” que Eduardo Frieiro (1981) analisa o confisco da biblioteca do cônego e a repercussão, nos Autos da Devassa, para os considerados “livros proibidos” encontrados na casa do inconfidente cônego.

    Já em 1792, o cônego foi enviado a Portugal para cumprir pena de prisão perpétua na fortaleza de São Julião, onde muito jesuítas que saíram expulsos do Brasil cumpriram pena, mas Luiz Vieira da Silva passou por diferentes conventos até o final de 1801, quando regressou ao Brasil porque ganhara a liberdade. No Brasil, foi viver em Angra dos Reis até a morte. Segundo Eduardo Frieiro, sobre o cônego há poucas informações que não sejam aquelas registradas pelos “Auto da Devassa da Inconfidência”. Consta nos Autos, fonte de informações sobre os inconfidentes, que Luiz Vieira da Silva era cônego de Mariana e quando foi preso tinha a idade de cinquenta e quatro anos, além de ter mãe que vivia em condição de extrema pobreza em companhia de duas filhas solteiras no Arraial de Ouro Branco.

Fortaleza de São Julião atualmente

    Nunca foi casado. Entretanto, era pai de uma filha, informação que não causava espanto naqueles tempos, tempos de tolerância nesse sentido da moral e costumes, sobretudo para aqueles que haviam feito os votos de celibato sacerdotal. Há algumas considerações sobre o cônego como, por exemplo, que era escolhido em ocasiões especiais para a oratória, sendo considerado nos registros dos Autos como eloquente. De resto, excetuam-se alguns apontamentos de reserva em relação à conduta do sacerdote e homem do mundo. Acusado que fora de simonia e de conspiração contra o poder público, e durante o período de desterro, em Portugal, ter granjeado algumas inimizades. Ficaram os indícios de que, para aquele período, os cônegos de forma geral não eram modelos de virtudes sacerdotais.


Referência:

AMBROSIO DA ROCHA, D. G.; DE MORAES, E. M. A. LIVROS “ENCANTADORES” POSSUÍDOS PELOS ESPÍRITO DE SATÃ:: A BIBLIOTECA DE SJ LUÍS VIEIRA DA SILVA E OS AUTOS DE DEVASSA DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA (1789). REVISTA ANTÍGONA[S. l.], v. 2, n. 1, 2022. Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/antigona/article/view/15314. Acesso em: 28 dez. 2022.

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