Considerações sobre o conceito lulismo - parte II.



No presente texto contextualizo o período e o tema e, posteriormente, apresento  três aspectos que considero fundamentais nos estudos da Nova República. Assim, dedico-me a apresentar algumas características da sociedade brasileira entre 1985 e 2010, principalmente o que se pode perceber no processo de abertura do Regime Militar na transição para um governo civil na eleição indireta de 1985, a inserção do pensamento neoliberal no Brasil nesse contexto e ao apontar breves considerações sobre o conceito Lulismo, sendo o aspecto principal. Para tanto, por base usei o texto O Sentido do Lulismo: reforma gradual e pacto conservador, de André Singer (2012) e o texto Lulismo em longo prazo, de Gustavo César de Macêdo Ribeiro (2013).

Cientista Político André Singer
 (https://oglobo.globo.com/politica/andre-singer-esse-o-comeco-de-algo-que-pode-sim-ameacar-lulismo-24576565)

        Ao estudar a transição do governo militar para o governo civil, com a eleição de 1985, tomando por base o cientista social Florestan Fernandes compreendemos que houve uma contrarrevolução, um rearranjo político, um acordo feito por cima para evitar que os movimentos sociais de contestação social e econômica que vinham crescendo desde o final da década de 1970 ganhasse maior força e protagonismo no cenário político no Brasil daquele momento. Nessa noção, a Nova República representou um golpe dentro do golpe, foi um acordo por cima. Esse movimento também demonstra que o Estado, no processo de transição, foi alvo de disputa entre as frações da burguesia, pois através do comando dos aparelhos do Estado o grupo dominante poderia garantir a implantação do seu projeto sociopolítico para a condução do país dentro do sistema capitalista.

        O modelo econômico implantado durante o período da Ditadura Militar já estava superado e não mais atendia os interesses das frações da classe burguesa, o novo modelo econômico que estava em processo de construção em âmbito mundial era pautado nas práticas neoliberais, com menor intervenção do Estado na economia do país. Esse movimento de introdução de práticas neoliberais no Brasil é demonstrado por Ricardo Taulé e por Aluísio Biondi. Ricardo Taulé fala sobre a década de 1980, a década perdida, que em sua perspectiva foi uma década de oportunidades perdidas, já que ele considera que o Brasil tinha possibilidades a serem exploradas para contribuir com seu desenvolvimento tecnológico, por exemplo o seu parque industrial. Sobre a década de 1990, Aluísio Biondi demonstra que o Brasil chegou entregue ao neoliberalismo, havendo privatizações de empresas estatais e um desmonte da máquina pública. Mas, no final da década de 1990, o neoliberalismo chega esvaído com o governo de FHC, fazendo com que em 2002 Lula ganhasse com certa tranquilidade.

Fernando Henrique Cardoso passa a faixa presidencial para Luís Inácio da Silva (https://www.estadao.com.br/politica/transicao-democratica-e-crucial-para-nao-paralisar-o-pais-dizem-analistas/)

            É sobre o PT, o Lulismo e os governos petistas (2003 – 2011) que André Singer se dedica a refletir. Ele também analisa o histórico do PT, a trajetória do neoliberalismo no Brasil e as raízes do partido. Na década de 1990 o partido passa por transformações ideológicas internas, passando a ser menos de luta e movimento, ficando mais institucionalizado e empenhado em eleições. Com isso o partido começa a falar mais para setores de trabalhadores desorganizados, membros do subproletariado (de 0 a 2 salários mínimos e que usufruem de políticas sociais e distributivas). É nesse subproletariado que o lulismo começa a tomar força, surgindo como uma força própria apesar de estar dentro do partido. Lula faz parte do PT, mas começa a ter uma projeção própria. O subproletariado constituiu base de apoio, portanto, do Lula e não do partido.  Essa ideia é fundamental para entender o governo do PT, aqui falarei brevemente sobre alguns pontos do conceito lulismo.

            André Singer se preocupa em tratar do PT, do governo petista (2003 a 2011), do Lulismo, analisando a história do partido, a trajetória do neoliberalismo no Brasil e as raízes do PT. Na década de 1990 o Partido dos Trabalhadores passou por mudanças internas, deixando de ser um partido de base e de movimentos, passando a ficar cada vez mais institucionalizado e empenhado em eleições. O governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003 -2010) foi favorecido pela estabilidade dada pelo Plano Real, incentivou exportações melhorando a balança comercial, teve a inflação sob controle, suspendeu as privatizações e incentivou o crescimento da produção industrial. Em seu governo observou-se, então, um maior poder de consumo que aqueceu as vendas no comércio e, consequentemente, a produção industrial, além de programas como Fome Zero e Bolsa Família bem como os programas ProUni e Sisu na educação. Com as mudanças no mundo do trabalho, começa a surgir setores de trabalhadores desorganizados, um subproletariado. O subproletariado é formado pela massa de trabalhadores sem direitos ou garantias sociais, ou mesmo aqueles sem qualquer emprego.

Em 2011, o Brasil foi o país que mais contribuiu para o combate à fome pelo terceiro ano consecutivo (http://nobalacobaco.blogspot.com/2011/10/brasil-e-pelo-terceiro-ano-consecutivo.html)

            A partir de 1990 e começo dos anos 2000, é para esse setor que o partido começa a falar. Esse subproletariado corresponde a trabalhadores que ganham entre 0 a 2 salários mínimos e utilizam de políticas sociais e distributivas. Com isso, Lula começa a ter certo poder simbólico, alinhado ao seu carisma, fazendo com que na eleição de 2006 ele tivesse uma projeção maior que na eleição de 2002, mesmo com as denúncias de corrupção que enfrentou no seu governo em 2005.  A melhora de vida que atingiu o subproletariado entre 2003 e 2006 não foi acompanhada de uma politização desses setores. E é com o apoio desse segmento popular que Lula passou a ser mais autônomo que o próprio partido, mesmo estando no partido. Destaca-se que a identificação com Lula advém da confiança que a classe trabalhadora depositou no metalúrgico que na liderança de seu sindicato lutou contra as forças repressivas do regime militar. 

           Esse sentimento aumenta quando no decorrer de seu governo ele adota políticas públicas que ajudam a promover o consumo e o bem-estar da população, favorecendo inclusive o mercado.  O subproletariado indo em direção ao Lula representou o realinhamento eleitoral que se cristaliza nas eleições presidenciais de 2006. Esse realinhamento, que consiste numa mudança fundamental do eleitorado, teria alterado a base do PT a partir do deslocamento da classe média em direção ao PSDB e da ocupação desse espaço pelo subproletariado, dando origem ao que o autor identificou como a “base lulista”. Com isso, Lula terminou o seu segundo mandato com aprovação popular recorde.

(https://especiais.gazetadopovo.com.br/politica/lula/)

    Após anos de politização popular, seja via movimentos socais seja via orçamento positivo, o lulismo se caracterizou pelo fortalecimento do Estado-gestor, pela gradual desmobilização das bases e pela adoção de políticas liberais de transferência de renda, tendo como marco o Programa Bolsa Família (PBF). O governo Lula (2003 – 2011) foi marcado pela inclusão financeira, especialmente via consumo, os pobres estavam andando de avião pela primeira vez ou comprando um novo celular foram celebrados como evidências da redução da desigualdade promovida pelas reformas do Partido dos Trabalhadores no século XXI. Ainda houve mudanças no acesso ao ensino superior, aumento da chamada “classe média”, ao passo que a histórica invisibilidade e humildade dos “subalternos” se transmutou em orgulho e autoestima tanto no nível individual, como de classe.

(https://terracoeconomico.com.br/bolsa-familia-evolucao-do-programa-desde-2003/)

           Mas, pesar de representar os governos populares que o Brasil teve após a sua redemocratização, os governos de Lula não mexeram na estrutura da sociedade brasileira, seja no sentido de reforma agrária, seja no sentido de mudança profunda na educação ou até mesmo na expansão da indústria nacional. Lula optou por um caminho intermediário entre o neoliberalismo da década anterior e o reformismo fraco que fora o programa do PT até as vésperas da campanha de 2002. O próprio programa Ciência Sem Fronteiras leva os pesquisadores para fora do Brasil ao invés de fornecer uma estruturação para pesquisarem de maneira nacionalista, trabalhando pelo bem da sociedade brasileira, gerando riqueza e distribuição de riquezas para o próprio país. 

        Esse é o sentido antagônico do período lulista, marcado pela “conservação e mudança, reprodução e superação, decepção e esperança num mesmo movimento”, de forma que o lulismo foi incapaz de promover transformações estruturais na sociedade brasileira. Portanto, o lulismo é, especificamente, o encontro da liderança de Lula com a fração da classe trabalhadora composta por aqueles que oferecem sua força de trabalho, mas não conseguem encontrar “quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais” (SINGER, 2012, p. 77) – o subproletariado. 



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