O Racismo e a importância das políticas públicas no combate a discriminação racial.


https://www.cenpec.org.br/tematicas/cinco-dicas-para-a-escola-trabalhar-a-lei-10-639-03

 “Qualquer pessoa negra experimenta desde cedo o racismo". Diante dessa afirmação da Dr. Sueli Carneiro, filósofa, escritora, ativista antirracismo do movimento social negro brasileiro, fundadora e atual diretora do Geledés — Instituto da Mulher Negra, entendemos a importância de discutir sobre o tema “O Racismo e a importância das políticas públicas no combate a discriminação racial” para pensar nossa sociedade como diversa e plural, bem como enfrentar o mito da democracia racial, o chamado crime perfeito. Portanto, tratar desse tema é extremamente importante para a prática de uma História Pública na sociedade. 

Por Mariana de Barros e Gabriel Rocha. 



Temos um passado que traz a ideia de diferença entre o “homem inferior” e o “homem superior”, ideia que foi acentuada pela cientificidade no século XIX. A ciência, como disciplina nascente, trouxe  muitos equívocos que só a própria ciência poderia combater. Um equívoco, por exemplo, foi trazer a teoria de Darwin para compreender a cultura dos povos. legitimando o homem negro como inferior ao homem branco na régua civilizatória. O negro passou a ser sempre subestimado, colocado como sem condições de ser agente da sua própria história e da sua própria sociedade. Esses erros, posteriormente, foram criticados, mas a legitimação já havia entrado na consciência social e impregnado o senso comum, refletindo ainda hoje, veladamente nas entrelinhas da nossa sociedade. Entretanto, o estrago ainda precisa ser reparado, por isso é muito importante a lei 10.639, que traz a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana na educação básica.

http://ahistoriadopreconceitoracialnobrasil.blogspot.com/2011/11/o-mito-da-democracia-racial.html


 No Brasil, há a ideia de que a escravidão aqui foi mais branda do que em outros lugares, o que nos impede de entender como o sistema escravocrata ainda impacta a forma como a sociedade se organiza. À vista disso, podemos dizer que é geralmente na escola, a primeira instituição social que os indivíduos frequentam, que a pessoa negra se defronta com exemplos do racismo na estrutura da sociedade brasileira. Ali na escola, a criança negra começa a perceber que ela não é tratada da mesma forma que a criança branca, além de ter outras pessoas querendo colocá-la no "seu lugar".

Com isso, depois dessa descoberta, a criança negra precisa reagir de alguma forma às práticas sistemáticas de agressão a pessoas negras. Precisamos entender, logo na escola, que somos diversos e não há nada de errado nisso. Vivemos relações raciais e por isso é preciso falar sobre negritude e também sobre branquitude.


https://www.vozdascomunidades.com.br/geral/as-cotas-nao-deveriam-existir-se-opiniao/inserir imagem


A Dr. Sueli Carneiro, em entrevista dada ao Mano Brown, relata a preocupação de seus pais em alertar as situações que os filhos atravessariam durante a vida simplesmente por existirem na condição de negros e a maneira como foi ensinada a reagir perante tais situações, então “se for agredido e chegar em casa chorando, vai apanhar de novo para aprender a reagir”. A ativista explica que, enquanto criança, ela não tinha argumentos estruturados o suficiente para combater os ataques que sofria dos colegas, por isso usava da violência física. Sendo assim, quando ela começa a ser introduzida no movimento negro e a pensar de formas mais críticas, ela lança mão de argumentos científicos e críticos para combater os ataques racistas. Isso demonstra a necessidade de, desde cedo, introduzir uma consciência multicultural para as crianças negras e brancas.


         O mito da democracia racial no Brasil é o crime perfeito. Djamila Ribeiro explica que ele foi "concebido e propagado por sociólogos pertencentes à elite econômica na metade do século XX, esse mito afirma que no Brasil houve a transcendência dos conflitos raciais pela harmonia entre negros e brancos, traduzida na miscigenação e na ausência de leis segregadoras", mas, não podemos dizer que não somos um país racista. Na construção social de raças, o trabalho escravo foi legitimado, passando a fazer parte da estrutura da sociedade que, ao longo de 300 anos, consolidou a formação da sociedade brasileira.  Nesse sentido, o racismo é carregado com o mito da democracia racial. Por isso, todos os brasileiros precisam conhecer a história de todos os povos e etnias que compõem a nossa sociedade, conhecer a história e a cultura de todos os povos.


http://ahistoriadopreconceitoracialnobrasil.blogspot.com/2011/11/o-mito-da-democracia-racial.html



    Por esse motivo, as políticas públicas adotadas acerca deste assunto são de extrema importância para a sociedade, como a lei 10.639/2003, que exerce a função de auxiliar na superação de opiniões preconceituosas sobre os negros e a África, também como forma de implantar ações afirmativas e desvelar e denunciar o racismo presente na sociedade. A lei de cotas nº 12.711/2012 que estabelece reservas de vagas em vestibulares, concursos, etc. para determinados segmentos minoritários da população, como pessoas negras (pretas ou pardas), indígenas e pessoas com necessidades especiais, é uma ação afirmativa com intuito de reparação histórica e que visa acabar com a desigualdade racial e o racismo estrutural resultantes de anos de escravidão no Brasil, no entanto, até hoje encontra-se muita resistência da sociedade acerca da Lei, parafraseando Sueli Carneiro “a lei de cotas fez com que os racistas do Brasil tivessem que se expor sem máscaras pela primeira vez e se organizar”. Quanto ao enfrentamento à lei de cotas, Sueli usa o termo “Pelourinho eletrônico" em alusão  ao local disposto em áreas públicas onde os escravizados negros eram cruelmente torturados no século XVI. Quando essas políticas de reparação começaram a ser implementadas, o desempenho positivo de alunos cotistas trouxe grandes avanços para o saber do país.

https://www.reddit.com/r/brasil/comments/tpktlb/a_import%C3%A2ncia_das_cotas_nas_universidades_por_ig

A lei 10.639 de 2003 estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Com essa inclusão obrigatória ao currículo,  o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgata a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política e modifica a visão colonialista e eurocêntrica de ensino, onde a história somente era contada pela visão dos brancos europeus. A educação é uma área estratégica e imprescindível para uma política de reparação e afirmação dos povos negros, pois, cria-se uma nova perspectiva e visão sem estereótipos e preconceitos, contribuindo para a construção de uma sociedade plural e antirracista. 

                A autora Djamila Ribeiro  traz o relato de que quando era criança foi ensinada somente que a população negra havia sido escrava, como se não tivesse existido uma vida anterior nas regiões de onde essas pessoas foram tiradas à força e como se não tivessem resistido à escravidão. Somente com o tempo e com a aquisição de conhecimento, num processo que envolve uma revisão crítica profunda da percepção de si e do mundo, ela pôde compreender que  a população negra havia sido escravizada, e não era escrava. Para combater isso, ela demonstra que é preciso acordar para os privilégios que certos grupos sociais têm e, a partir disso, praticar pequenos exercícios de percepção pode transformar situações de violência que antes do processo de conscientização não seriam questionadas. Nesse sentido, para se perceber criticamente, questionando o sistema de opressão racial e construir uma sociedade com atitudes antirracistas a lei 10.639 de 2003 é fundamental.



      Uma retomada histórica e cultural é necessária para combater preconceitos e demonstrar a importância da cultura africana no Brasil, bem como a presença negra na construção do nosso país. Vamos conhecer melhor a cultura africana, sua presença no Brasil e descontruir preconceitos para firmarmos uma sociedade antirracista. É preciso mudar a forma de entender e refletir o Outro, entender a dinâmica social. A sociedade precisa ser transformada e, nesse sentido, as políticas públicas contribuem. Portanto, para alcançarmos o respeito pela multiculturalidade e pluralidade cultural é preciso conhecer a história e a cultura do Outro.



   
             Falar sobre racismo no Brasil é, sobretudo, fazer um debate estrutural. É fundamental trazer a perspectiva histórica e começar pela relação entre escravidão e racismo, mapeando suas consequências. Não há uma causa única, uma construção única, uma significação única para o racismo. É necessário entender as complexidades da relação entre raças ao longo da história, ou seja, o uso do racismo naquele contexto específico de espaço-tempo. Um problema a ser entendido que costumeiramente, o mundo apresentado na escola é o dos brancos, no qual as culturas europeias são vistas como superiores, o ideal a ser seguido. Mas a construção do respeito e da empatia começa a partir dos primeiros anos da educação básica, construção essa que é almejada pela lei 10.639 de 2003. Mesmo que o negro tenha sido escravizado, ele não é apenas um escravo. Sempre resistindo e não sendo passivo frente a esses condicionamentos.

https://www.geledes.org.br/lei-10-63903/



Neste vídeo é possível ver um exemplo de como lidar com o racismo no espaço escolar: https://www.instagram.com/reel/ChHjntXPQz_/?utm_source=ig_web_copy_link .




Referências: 

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

BRASIL. Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003. D.O.U. de 10 de janeiro de 2003. 

MANO A MANO: Mano Brown recebe Djamila Ribeiro. Entrevistada: Djamila Ribeiro. Entrevistador: Mano Brown.São Paulo: Spotify, 25 de novembro de 2021. Podcast. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/6K2ge9lHbbm0nOQ1OfxOLH. Acesso em: 07 de julho de 2022. 

MANO A MANO: Mano Brown recebe Sueli Carneiro. Entrevistada: Sueli Carneiro. Entrevistador: Mano Brown. São Paulo: Spotify, 26 de maio de 2022. Podcast. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/2eTloWb3Nrjmog0RkUnCPr. Acesso em: 06 de julho de 2022.

RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.


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