Resenha sobre O Novo Tempo: Circulação Econômica e Conhecimento do Mundo – Transição, Expansão Comercial e Mercantilismo

 


O texto a seguir apresenta uma breve resenha comentada a partir das ideias apresentadas e discutidas no capítulo O Novo Tempo: Circulação Econômica e Conhecimento do Mundo – Transição, Expansão Comercial e Mercantilismo parte da obra A formação do Mundo Moderno (2006) escrito por Antonio Edmilson Martins e Francisco José Calazans Falcon. As principais questões a serem comentadas discutem a fase final do feudalismo, a expansão comercial e as políticas do mercantilismo. 


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Os autores apontam a divisão do feudalismo europeu para situar o declínio do feudalismo em três períodos que correspondem aos séculos IV-V até os séculos X-XI d. C, séculos X-XI até o início do século XIV e a partir dos séculos XIV-XV até o século XVIII ou mesmo o XIX.  O primeiro período corresponde a uma etapa de formação marcada pelos variados aspectos constitutivos da transição do escravismo antigo para o feudalismo. O segundo período é marcado pelo apogeu ou pelo maior desenvolvimento das estruturas feudais, simultaneamente à expansão das cidades e das atividades típicas da chamada economia urbana. E o último período faz referência  a fase final do feudalismo cuja principal característica é a transição do feudalismo para o capitalismo como processo geral.

A fase final do feudalismo, segundo Rodrigues e Falcon,  correspondeu historicamente a transformações variadas, associadas tanto à progressiva desestruturação das relações feudais como ao avanço lento das relações capitalistas. Eles afirmam o seguinte: “a fase final do feudalismo corresponde a uma fase de transição caracterizada pela coexistência de elementos típicos do feudalismo, em processo de progressiva desagregação, e de outros, propriamente capitalistas, ainda emergentes” (FALCON; RODRIGUES, 2006, p. 9).

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Ainda sobre a fase final do feudalismo é possível elencar do capítulo que há alguns períodos nessa fase. O período correspondente à chamada crise do final da Idade Média, durante os séculos XIV e XV, que atingiu muitas das antigas formas tradicionais das relações feudais na agricultura e que se fez acompanhar de sensível declínio demográfico e de significativos descensos no âmbito das atividades manufatureiras e mercantis. 

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O período que abrangeu meados do século XV até o começo do século XVII, apresenta uma expansão econômica que corresponde àquilo que alguns historiadores vêm denominando de o longo século XVI com uma relativa expansão das atividades industriais,artesanais bem como da produção agrícola, em estreita conexão com a retomada do crescimento demográfico e o início da expansão mercantil. 

Já o período delimitado do início do século XVII ao final desse mesmo século ou, em alguns casos, às primeiras décadas do XVIII, ocorre em diversos países europeus, a chamada crise do século XVII. Para alguns, trata-se de uma fase de ajustamento, ou mesmo de recuo, do desenvolvimento do capital comercial, ao passo que, segundo outros, foi um dos dois momentos decisivos da história do capitalismo, em termos econômicos, políticos e sociais.  A partir de meados do século XVIII diversas revoluções econômicas assinalam a expansão europeia, também verificável do ponto de vista do comércio e da exploração coloniais. Sintetizando tais transformações está o conceito de revolução burguesa ou de dupla revolução, que faz referência à Revolução Industrial e à Revolução Francesa. 

Os antecedentes medievais à expansão comercial compreendem um conjunto de transformações nas atividades agrícolas e artesanais na Europa Centro-Ocidental que, segundo os autores, repercutiram no crescimento das trocas mercantis. A crise do final da Idade Média (séculos XIV-XV) interrompeu por algum tempo o avanço de prosperidade mas todavia, já a partir dos meados do século XV são evidentes os sinais de recuperação econômica, com o início da expansão marítima, comercial e colonial, liderada pelos países ibéricos. 

Partindo disso, é apontado que o começo da transição feudal-capitalista perpassa pela natureza socioeconômica, política e cultural das transformações ocorridas entre os séculos XI e XV. Como características  dessa transição se tem os grandes circuitos comerciais na época moderna, a expansão extraeuropeia e as hegemonias mercantis ao longo da era mercantilista. A expansão econômica desencadeada a partir do século XI esteve estreitamente ligada às pressões demográficas crescentes, à introdução de técnicas novas ou aperfeiçoadas e a um movimento intenso de ocupação de novas áreas para o cultivo agrícola (FALCON; RODRIGUES, 2006).

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Para os autores, um dos efeitos mais evidentes do crescimento das cidades foi o aumento das transações comerciais entre campo e cidade, cabendo a esta última o papel de centro integrador das atividades mercantis e artesanais. Teríamos aí então, conforme velha e quase esquecida tese, a passagem de uma economia dita de subsistência, ou natural, para uma outra, mercantil e monetária. Assim, “sob o controle das guildas e corporações mercantis e artesanais, o domínio econômico urbano sobre o campo circundante tendeu a ampliar-se – é o domínio da chamada política econômica urbana, monopolista e fiscalista”. Nessa expansão comercial abrupta os autores ainda apontam a seguinte característica: 

A importância para esse surto mercantil e urbano do desenvolvimento do conceito de luxo, da ostentação de riqueza entre os membros da elite senhorial e a alta burguesia. Novos hábitos de consumo, em parte associados à importação de produtos orientais, valorizaram diversos tipos de mercadorias, como tecidos de seda e algodão, louças, pedras preciosas, tapeçarias, bronze, etc. Bem mais conhecidas vieram a ser, porém, as chamadas especiarias, de preço unitário elevado e consumidas em pequenas quantidades na culinária, na perfumaria e na medicina (FALCON; RODRIGUES, 2006, p. 12).

O capital comercial, conforme apontam os autores, expandiu-se com rapidez em consequência das novas e crescentes oportunidades de lucro geradas pelo estabelecimento de rotas mercantis transoceânicas, pela conquista e exploração de terras no Novo Mundo e pelo tráfico de escravos africanos. E ainda a Reforma religiosa, em países como a Inglaterra, por exemplo, as secularizações das propriedades eclesiásticas propiciaram boas oportunidades de investimento do capital comercial pois rompia com amarras feudais. O desenvolvimento do capital comercial se deu pela formação/expansão de dois grandes circuitos ou complexos de rotas e trocas comerciais que são o circuito intraeuropeu, que. predominou até por volta de 1750 e compreendia quatro complexos regionais: do Mediterrâneo, do Atlântico, do Báltico e da Europa Centro-Oriental e os circuitos extraeuropeus, cujo auge se situa no século XVIII, compreendiam três grandes áreas além das respectivas subdivisões regionais: América, Índias e China. O desenvolvimento de cada um desses circuitos constitui uma história ligada às respectivas formas de inserção no mercado internacional, às variações conjunturais deste, bem como a fatores e circunstâncias típicos de cada um deles.

Já a economia europeia durante a segunda metade do século XV e ao longo de todo o século XVI caracteriza-se pela expansão considerável tanto da produção em geral como das atividades mercantis. As navegações e descobrimentos constituíram, em boa medida, uma das resultantes dessa expansão geral da economia e contribuíram, por sua vez, para acelerar tal expansão. É provável que a tendência à alta dos preços, então dominante, tenha contribuído bastante para o aumento geral das atividades econômicas, além de dar muito incentivo à especulação monetária e financeira.

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A pressão dessa demanda ampliada sobre a produção levou a algumas inovações significativas em certos setores produtivos, embora essas inovações tenham ocorrido com maior frequência somente em alguns países ou regiões da Europa, como a Inglaterra, a França, os Países Baixos, e, em menor escala, a Suécia, a região do Reno e algumas das cidades italianas. Bem maior do que a influência dos grandes descobrimentos sobre a produção foi a que tiveram sobre as atividades mercantis pois houve um aumento quantitativo e qualitativo do comércio europeu e uma expansão geográfica. 

Os autores apontam o seguinte sobre a expansão ibérica: 

De acordo com Victorino Magalhães Godinho (1968), a expansão ibérica configura um complexo histórico-geográfico que se define a partir das décadas finais do século XV e começa a entrar em crise por volta de 1549 (na Espanha seria um pouco mais tarde), encerrando-se com as vicissitudes associadas à união das coroas ibéricas, no caso português, e com a crise financeira do Estado, já no final do reinado de Filipe II, e a subsequente queda do afluxo de metais preciosos americanos, entre 1620 e 1630 (FALCON; RODRIGUES, 2006, p. 16).

Dessa forma empregada. Os demais países europeus, excluídos então da partilha do mundo extraeuropeu, não cessaram de contestar, na teoria e na prática, aquela hegemonia. Foram muitas as tentativas de ingleses e franceses, logo seguidos pelos neerlandeses, de estabelecer colônias e descobrir rotas oceânicas, pondo em risco a navegação ibérica no Atlântico. Ainda durante a primeira metade do século XVI, preocuparam-se tanto ingleses como franceses em organizar expedições cujo objetivo era encontrar as chamadas passagens do noroeste e do nordeste para o Oriente, singrando as regiões árticas ao norte do continente americano e da Sibéria, respectivamente. O assalto dos inimigos de Castela às posições em poder dos portugueses, nas costas africanas e em diversas partes da Ásia, se completaria, na segunda década do século XVII, com as invasões holandesas na Bahia e, em seguida, em Pernambuco, bem como na América do Norte. Mas o declínio ibérico tão somente às investidas de seus competidores e adversários mas também pensada em termos relativos, resultantes das condições socioeconômicas e políticas das duas sociedades, isto é, do fato de que os capitais produzidos a partir do comércio e das conquistas não propiciaram condições suficientes para uma transformação capitalista-burguesa em Portugal e na Espanha. 

A República das Províncias Unidas começou atacando as posições portuguesas no litoral africano e nas Índias, ao mesmo tempo em que assaltava os galeões espanhóis carregados com os metais preciosos do Novo Mundo. Como instrumento de suas empresas mercantis e de conquista os holandeses criaram diversas companhias de comércio, principalmente a Companhia Geral das Índias Orientais e a das Índias Ocidentais. Com o chamado comércio de comissão, os “carreteiros do mar” dominaram durante muitas décadas o comércio marítimo e fluvial da Europa centro-ocidental, assim como do Báltico, dos países nórdicos, da Rússia e parte do comércio do Mediterrâneo. A supremacia holandesa é a questão acerca das causas que poderiam explicar o fato de não terem as Províncias Unidas realizado sua revolução industrial, embora tenham conseguido atingir o máximo desenvolvimento comercial e financeiro.

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A respeito das políticas mercantis, os autores demonstraram que “o mercantilismo deve ser entendido como um conjunto de ideias e práticas político-econômicas que caracterizam a história europeia e, principalmente, a política econômica dos Estados modernos europeus entre os séculos XV/XVI e XVIII". Eles ainda acrescentam que 

Não devemos perder de vista, no entanto, que a formação dos chamados Estados modernos, isto é, as monarquias absolutistas, representou de fato uma intervenção cada vez maior do poder dos príncipes na vida econômica de seus respectivos reinos. Esse aspecto leva-nos a recuperar a afirmação de Eli Heckscher (1955), um dos maiores estudiosos do mercantilismo, segundo a qual o Estado teria sido o verdadeiro sujeito e objeto da política mercantilista, ou, em outras palavras, o mercantilismo deve ser entendido como uma política econômica característica dos Estados modernos europeus, absolutistas  (FALCON; RODRIGUES, 2006, p. 25-26)

Uma das características originárias do mercantilismo foi o fato de a política econômica urbana medieval, derivada dos interesses mercantis e artesanais dos mercadores e artesãos habitantes da cidade medieval, especialmente os interesses de seu patriciado, ter sido retomada (e ampliada) no nível dos Estados monárquicos modernos. Denominou-se essa política de intervencionismo estatal, de inspiração francamente medieval, de política mercantilista (já no século XIX, como ficou visto), a qual conservou ou adaptou práticas anteriormente existentes, acrescentou-lhes outras mais novas e buscou assegurar, em síntese, dois objetivos principais: defender o mercado “nacional” em formação e assegurar à burguesia nascente as condições de monopólio econômico e de mão de obra indispensáveis à sua expansão, favorecendo assim o processo de acumulação de capital e o atendimento dos interesses recíprocos e permanentes do Estado absolutista. “Segue-se daí que o estado estava no centro dos procedimentos mercantilistas conforme se desenvolveram historicamente; o Estado era ao mesmo tempo o sujeito e o objeto da política econômica mercantilista”. 

Algumas das principais transformações socioeconômicas ao longo do período de transição do feudalismo para o capitalismo são apresentadas pelos autores como a desagregação do sistema feudal e a progressiva estruturação do sistema capitalista ocorreram durante um período de transição, sempre em estreitas e recíprocas relações e as transformações socioeconômicas típicas de tal processo abrange, como é lógico esperar, um leque muito amplo de mudanças, dentre as quais importa destacar aqui aquelas que constituem as condições históricas que produziram o surgimento de alguns dos elementos básicos necessários à produção capitalista: capital, trabalho, maquinismo e mercado mundial.


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