A tradição narrada - Os Griot’s

 “Na África, cada velho que morre é uma biblioteca que se queima”.

Lema de Amadou Hampâté Ba.


    Você sabe o que são os ‘griots’? Ou melhor, quem são eles e qual é a sua função social no continente africano? E ainda mais, você já leu sobre a importância da tradição oral nas sociedades africanas e nas demais sociedades? Bom, é sobre isso que convidamos vocês para conversarmos e aprendermos hoje. Para nos localizarmos, abaixo está um mapa do imenso continente africano que nos apresenta as mais variadas possibilidades de estudos e descobertas.

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    Quando “visitamos” o continente africano com um olhar de dentro para fora, somos alcançados por uma riqueza cultural imensa. O continente tem ótima pretensão material (geograficamente falando), apesar de ser acometido por instabilidades políticas, que são fruto de todo o processo histórico que o atingiu. 

Além de possuir algumas ilhas, o continente conta com cinquenta e quatro países. É importante assinalar que a contribuição da África para a cultura universal tem sido crescentemente valorizada por um número cada vez maior de centros acadêmicos e por organismos como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Então, podemos concordar que o continente africano contribuiu e contribui muito com o desenvolvimento cultural no mundo. 

A África por muito tempo teve sua história deslegitimada pelos povos europeus que afirmavam que o continente era uma terra sem história por falta de documentos escritos, que por muito tempo foi a única fonte considerada válida. No entanto, a tradição oral se apresentou como tendo um gigantesco papel na cultura e história africana. 

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É possível entender a importância da tradição oral para a história e cultura de um povo quando entendemos que até o século XIX a maioria das pessoas no mundo não eram alfabetizadas o suficiente para ler um livro e nem para escrever um, então a tradição, a cultura e a história eram difundidas oralmente de geração em geração. Mas, salientamos aqui que a história oral deve ser tratada com particularidades específicas, não com os mesmos tratos da história escrita.  

Então, nas sociedades africanas esse papel se torna ainda maior quando compreendemos que as informações culturais e sociais eram transmitidas oralmente de geração em geração, sendo essa atividade de responsabilidade  dos povos Griots, os responsáveis por guardar e propagar as informações no decorrer do tempo na sociedade africana. No dicionário Priberam de Português, o significado de griot|griô (palavra francesa) adjetivo e substantivo masculino. Relativo a/ou pessoa que pertence a uma casta profissional de depositários da tradição oral africana, exercendo funções de poeta, cantor, contador de histórias e músico, a quem são  frequentemente atribuídos poderes sobrenaturais.

Segundo Joseph Ki-Zerbo, em A Tradição Oral Como Fonte Historiográfica,  a tradição oral aparece como depósito e vetor do acervo de criações socioculturais acumulado pelos povos considerados sem escrita. Partindo desse princípio, os povos Griots são muito importantes para a transmissão dos conhecimentos dentro das culturas dos diferentes países africanos. Para vários povos, os Griots são os especialistas hereditários responsáveis pela preservação e pela transmissão de certas tradições orais.  Os povos Griots também são conhecidos como jali (em mandês), guewel (em wolof), iggawen (em hassania) ou arokin (em iorubá), eles são contadores de história, cantores, poetas e musicistas da África. 

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Na África, os Griots eram responsáveis por passar aos jovens ensinamentos culturais, sendo que até os dias atuais são a prova da força da tradição oral entre os povos africanos. O griot é o guardião da tradição oral, um especialista da história de seu povo.

Portanto, nas sociedades sem escrita a atitude de lembrar é constante, e a memória coletiva confunde História e mito. Tais sociedades possuem especialistas em memória que têm o importante papel de manter a coesão do grupo. Como exemplo desse movimento vimos a ação dos griots na África. 

Eles são os especialistas responsáveis pela memória coletiva de suas tribos e comunidades. Conhecem as crônicas de seu passado, sendo capazes de narrar fatos por até três dias sem se repetir. Quando os griots recitam a história ancestral de seu clã, a comunidade escuta com formalidade. Para datar os casamentos, o nascimento de filhos etc., os griots interligam esses fatos a acontecimentos como uma enchente. Tais mestres da narrativa são exemplos de como a tradição oral e a memória podem ser enriquecedoras para a História: ambas são vivas, emotivas e, segundo o africanista Ki-Zerbo, um museu vivo. Mas é válido compreender que esses especialistas em memória das sociedades sem escrita, todavia, não decoram palavra por palavra. Pelo contrário, nessas sociedades a memória tem liberdade e possibilidades criativas, e é sempre reconstruída. 

https://www.google.com/url?sa=i&url=http%3A%2F%2Frevistamisteriosdeorunmila.com.br%2Findex.php%2F2019%2F05%2F28%2Fgriots-guardioes-da-historia-da-sabedoria-da-ancestralidade%2F&psig=AOvVaw0yEz7vb2N6ZfBKpqXe5oUK&ust=1629998608109000&source=images&cd=vfe&ved=0CAsQjRxqFwoTCICk8pTYzPICFQAAAAAdAAAAABAP

Assim, quando refletimos sobre a ação dos griots na tradição oral e na História Oral, fazemos uma reflexão sobre a memória e como ela se tornou, para apaixonados pela História, uma oportunidade para refletir sobre a capacidade de produzir conhecimento sobre o passado, e sobre como essa capacidade difere de povo para povo. Então, estudar em sala de aula os griots é trabalhar de forma prática com a diversidade cultural da humanidade, não se atendo somente a um discurso de igualdade entre todas as culturas. O entendimento da diversidade cultural passa pela compreensão de que não há superioridade cultural e isso nos aponta que a escrita não é um marco entre os povos desenvolvidos e os subdesenvolvidos. 

REFERÊNCIAS 

GRIOT "griot", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha],. [S. l.], 2008-2021. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/griot. Acesso em: 30 ago. 2021. 


KI-ZERBO, Joseph. A tradição oral como fonte historiográfica. Correio da UNESCO, 1990. p. 43 - 46.

SANTOS, José Francisco dos. Apontamentos sobre historiografia e metodologia no estudo da história de África. In: ______ (ORG) RODRIGUES, Carlos Eduardo; SANTOS, José Francisco dos; GONÇALVES, José Henrique Rollo. Tópicos de História da África. Maringá: Eduem, 2016. p. 39 - 52. 

SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Memória. In: ______ (ORG) SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2009. p. 275 - 278.



Comentários

  1. Parabéns! Beleza de apresentação da matéria pesquisada, excelente trabalho e resultado final.
    Artífices da palavra narrada ou cantada os griottes estão presentes em todo continente africano como fonte oral que imprime identidade e pertencimento em cada tribo, em cada etnia de sua origem... Em transito por regiões do Norte ou dos territórios da África Subsaariana firmaram tratados comerciais por meio da fala, ensinaram crianças sobre sua cultura e costumes, transmitiram seus conhecimentos e usos de plantas medicinais aos mais jovens. Na arte do canto e dança imortalizaram a ancestralidade de seu povo dignificaram instrumentos como o Agogô e o Akoting...
    É pois na pesquisa que construímos nosso saber, nosso respeito, nossa reverencia a História da África.

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